Escrevi esta história para a minha filha, Menina das Ondas, Sereia a viver em Terra....
Nota: Qualquer divulgação, deverá sempre respeitar a autoria da história.
Era uma vez um Reino do Fundo do Mar. A sua existência perdia-se no tempo. O Reino do Fundo do Mar era habitado pelo Povo das Sereias e dos Príncipes das Ondas. Este Povo tinha construído um verdadeiro império submarino, invisível aos olhos do mundo da superfície.
Havia palácios feitos das mais belas conchas, jardins de corais que eram como verdadeiras florestas no fundo do mar, uma infinidade de grutas, peixes e seres marinhos de todas as espécies conviviam com as Sereias e os Príncipes das Ondas.
Desde há séculos que as Sereias acompanhavam os navios nas suas travessias pelos oceanos. E, desde há séculos, que os marinheiros achavam que elas eram uma lenda. Imortalizaram a sua beleza e as suas canções, pensando sempre que se tratava de pura ilusão, da sua imaginação a fervilhar em pleno mar. As sereias riam e divertiam-se a brincar com os viajantes. Apareciam, cantavam, mergulhavam novamente, deixando-os baralhados.
Mais tarde, em cada porto em que atracavam, os marinheiros contavam mil e uma histórias de sereias lindas que lhes lançavam os seus feitiços e os deixavam maravilhados.
Homens do mar e as suas sereias! Loucos feitos de sal e de espuma! – dizia quem os ouvia.
O mar adorava as suas sereias: embalava-as durante a noite e elas sonhavam com os melhores sonhos do mundo. Reflectia o seu azul mais intenso para que as suas caudas brilhassem enquanto nadavam.
Enquanto as sereias cuidavam do lado encantado do Reino do Fundo do Mar, os Príncipes das Ondas eram os grandes construtores do reino. Eram eles que erguiam os palácios, que faziam os grandes jardins de corais, que cuidavam do Fundo do Mar com todo o seu empenho.
Em frente ao mar havia uma casa de madeira, onde morava uma menina com a sua mãe. A menina chamava-se Amura e tinha o cabelo da cor do sol. A casa tinha um jardim com malmequeres e era aí que a menina se sentava a ouvir as histórias do mar que a sua mãe lhe contava.
Há um Reino do Fundo do Mar muito belo. É onde vivem as Sereias e os Príncipes das Ondas – dizia a mãe.
Como é que sabes, mãe? – perguntava Amura
Porque já andei por lá muitas vezes. O Reino do Fundo do Mar aparece sempre que fecho os olhos e ouço o mar.
Sabes, se ouvires com muita atenção o mar conta-te as mais belas histórias. Só precisas de o saber escutar. Deixas-te ir nas suas ondas, ele entra na tua alma e ficam um só – respondeu a mãe.
Nesse dia, quando Amura foi à praia, ficou junto ao mar, fechou os olhos e deixou-se levar pelo seu murmúrio. As ondas batiam na areia e os salpicos molhavam-lhe o rosto.
Olá – disse uma voz vinda da água.
Abriu os olhos. À sua frente estava uma sereia!
Olá – respondeu Amura. Mas….. tu és uma sereia!
Claro que sou - riu ela e continuou:
Tu também és uma sereia! Só que vives em terra.
Há muito, muito tempo, algumas sereias tiveram curiosidade de conhecer o mundo para além do mar. Foi então que viveram durante uns tempos na praia.
Numa noite de mau tempo, um grande barco procurou abrigo nessa praia. Os marinheiros, ao verem sereias tão belas, apaixonaram-se por elas. Navegavam pelos mares, mas voltavam sempre àquela praia, onde as sereias os esperavam. Foi assim, que o Povo do Reino do Fundo do Mar começou a viver também em terra. Tu também pertences ao nosso povo. Podes vir comigo, conhecer o nosso Reino. O mar vive na tua alma, assim como na minha.
Foi assim que começou uma grande amizade entre Amura e a sereia Rana. Amura visitou o Reino do Fundo do Mar e ficou maravilhada.
Era um mundo belo, de uma leveza sem fim. Rana ensinou-lhe a respirar debaixo de água, a deslizar o corpo suavemente entre os corais, os peixes e as plantas marinhas. Apresentou-a às outras Sereias e aos Príncipes das Ondas.
A pouco e pouco, Amura aprendeu a amar o mar, o seu Reino submarino e os seus habitantes. Quando chegava a casa contava as suas viagens à mãe, que a ouvia deliciada.
Um dia, quando Amura, Rana e outras Sereias e Príncipes brincavam numa floresta de corais, avistaram algo que brilhava intensamente, meio enterrado na areia. Começaram a escavar à volta e perceberam tratar-se de uma grande arca de madeira, com uma tampa incrustada de búzios e pérolas do mar.
É linda! – disse Amura.
Será que conseguimos abri-la?
Vamos tentar. Quem sabe se guarda um tesouro – disse Rana entusiasmada.
Não foi tarefa fácil, mas por fim a tampa cedeu e abriu-se, deixando ver o seu conteúdo. Todos olharam expectantes. Dentro da grande arca estava um livro de capa dourada e, gravado a letras pretas, o título: “Livro Mágico do Reino do Fundo do Mar”.
Havia também um rolo de pergaminho que, quando desenrolado, mostrou um mapa e uma caixa que quando aberta libertava um música extraordinária. Uma música que encantou todos à sua volta.
Sentiram-se como se o tempo tivesse parado e tudo em seu redor ficasse subitamente mais belo que nunca.
O que significam estes achados? – interrogou-se Rana.
É melhor levarmos a arca com os seus pertences ao Palácio do nosso Rei. Talvez ele nos possa ajudar.
E assim fizeram. O Rei quando viu a Arca, abriu os olhos de espanto.
Vocês encontraram a Arca Perdida do Reino! – disse.
Que achado mais precioso! Desde há muito que tentamos descobrir o paradeiro da Arca. Ela significa a salvação do nosso Reino.
A salvação do nosso Reino? Mas... o Reino corre algum perigo? – perguntou Amura
É uma longa história – respondeu o Rei.
Por favor digam às Sereias e aos Príncipes das Ondas para se reunirem aqui no meu Palácio. Preciso de falar com o meu Povo.
E o Rei contou a seguinte história a todos:
Há muito tempo atrás, um navio pirata passou perto do nosso Reino, embateu contra uns rochedos e acabou por afundar-se. Os piratas ao verem Reino tão belo quanto o nosso, quiseram saqueá-lo e dominar o nosso Povo.
Nós resistimos e conseguimos expulsá-los, mas eles conseguiram roubar os 3 Tesouros do Reino: o Livro Mágico do Reino do Fundo do Mar, o Mapa e a Caixa de Música.
Guardaram os tesouros numa Arca e esconderam-na.
Procuramos essa Arca desde então, mas nunca conseguimos localizá-la. Sem os Tesouros, o nosso Reino estaria condenado, mais cedo ou mais tarde a desaparecer.
O Livro conta a história do nosso Povo e ensina as magias para que possamos viver e prosperar no mar para sempre. O último capítulo do Livro diz que, no começo de cada novo milénio da Eternidade do Mar é preciso colocar o Grande Búzio no cimo da coluna que se encontra na entrada do nosso Reino, abrir a Caixa para que a sua música se liberte e encha o coração de todos. Só assim poderemos dar início a um novo milénio e garantir a nossa existência, longe dos olhares do mundo visível.
É o Mapa que nos dirá qual a localização actual do Grande Búzio, que muda a cada novo milénio. Depois de permanecer durante 7 dias no cimo da coluna, é guardado numa gruta diferente de todas as anteriores, pois só assim é possível manter o seu poder. O Mapa é então actualizado, para que no milénio seguinte possamos ir novamente buscá-lo e renovar o ritual e é realizada uma festa em homenagem ao novo tempo que começa.
Como sabem, vamos iniciar um novo milénio dentro de 3 dias. Precisamos de localizar a gruta que guarda o Búzio, ir buscá-lo e preparar este novo começo.
Estive a analisar o Mapa e, a gruta onde se encontra presentemente o Grande Búzio, ainda fica distante.
É necessário organizar um grupo de Sereias e Príncipes para que possam partir imediatamente. Proponho que as Sereias Amura e Rana e os meus 2 filhos Príncipes das Ondas se preparem para iniciar esta viagem.
Todos os outros têm que ajudar na preparação da festa que se irá realizar após os 7 dias em que o Búzio terá que permanecer no cimo da coluna.
O grupo guardou o Mapa e partiu de imediato.
O Rei, grande conhecedor do mar, deu algumas indicações muito úteis, para que pudessem no mais curto espaço de tempo, encontrar a gruta.
O tempo escasseava, era necessário apressarem-se.
Que o mar seja vosso aliado e vos conceda a ajuda necessária à vossa missão – despediu-se o Rei.
Partiram já ao final da tarde. Tinham os 3 dias seguintes para regressarem com o Búzio. A maré estava calma e as duas Sereias e os dois Príncipes nadaram o mais depressa que lhes foi possível. Chegaram nessa mesma noite ao território das Tartarugas Roxas, que estavam na época dos nascimentos. As Tartarugas acolherem os viajantes, que se deixaram contagiar pela alegria que aquela época proporcionava. As Tartarugas Matriarcas ajudaram-nos a traçar o melhor caminho para o dia seguinte e mostraram-lhes a extensão do seu território. Depois, prepararam uma refeição para todos e depois fizeram silêncio, para que as Sereia e os Príncipes pudessem descansar.
No dia seguinte, as Sereias e os Príncipes agradeceram às Tartarugas a sua hospitalidade e recomeçaram a sua viagem. Passaram por barcos afundados, cheios de histórias para contar. Alguns ainda conservavam grande parte do seu esplendor. Tiveram pena de não se puderem deter para os explorar, para tentar encontrar os seus tesouros e os seus diários de bordo, ou para os puderem simplesmente admirar, com todo o respeito que certamente lhes era merecido. Aos barcos e às suas viagens e aos marinheiros que os amaram e que no mar perderam a vida, ficando para sempre com ele...
Seguiram o seu caminho, cheios de visões de navios a sulcar as ondas, das grandes velas brancas içadas ao vento, de naufrágios, de canções de homens do mar e da sua esperança de chegar a algum lugar. ..
Passaram pelo território dos Peixes Dourados, dos Cavalos Marinhos, dos Corais Vermelhos, pelo Grande Reino de Cristal, onde viviam milhares de peixes transparentes, leves e velozes. Passaram vários mares, onde outros viajantes de todas as espécies marinhas se cruzaram com eles, enquanto seguiam os seus destinos.
Todos eles tentaram ajudar os habitantes do Reino do Fundo do Mar, a encontrarem o caminho mais curto, que os levaria à gruta do Grande Búzio.
E, quando caiu a noite, encontravam-se junto às falésias dos Leões Marinhos. Foi lá que pernoitaram, na companhia destes animais amistosos, que descansaram e adormeceram ao som das ondas que batiam nas rochas e se quedavam de mansinho, quase silenciosas para não acordarem os exaustos viajantes.
O segundo dia amanheceu cheio de sol, com o céu e o mar de um azul claro e luminoso e, mais uma vez, as Sereias e os Príncipes reiniciaram a sua viagem, deixando para trás as falésias e os Leões Marinhos.
Foi pelo meio da tarde que avistaram a gruta. Tinha uma entrada imponente, em arco, cheia de ornamentos com motivos marítimos. Em cada um dos lados estava um Príncipe das Ondas. Eram os Guardiões da Gruta. Quando o grupo se aproximou os Guardiões saudaram-nos e explicaram:
- Estávamos à vossa espera. Entrem, vão sempre em frente, até encontrarem a Sala do Grande Búzio. Aguardando por vós, está o Rei Supremo. É ele que vos dará o Búzio para levarem para o Reino do Fundo do Mar e é a ele que o terão de devolver depois da festa em Homenagem ao Novo Tempo. Ele irá guardar novamente o Búzio numa outra gruta e actualizar o Mapa, para que tudo se renove no próximo milénio.
Agora vão. Não há tempo a perder.
Entraram, seguiram sempre em frente, como lhes tinham recomendado os Guardiões e, passado algum tempo, tinham diante dos seus olhos a Sala do Grande Búzio. Era uma sala de uma beleza sem par. As suas paredes mudavam constantemente de cor. Havia corais e plantas por todo o lado. Rochas, pedras e cristais brilhantes completavam a decoração. No centro, o Rei Supremo estava sentado num trono, e nas suas mãos repousava o Grande Búzio.
Assim falou o Rei Supremo:
- Sejam bem-vindos viajantes do Reino do Fundo do Mar. Mais uma vez, como já o faço há milénios, vos entrego um dos mais preciosos tesouros de que há conhecimento.
Que sejam dignos dele e do vosso Reino e que tragam sempre bem presente na vossa mente e no vosso coração o grande amor que sentem pelo mar.
Aqui estarei para receber de volta o Búzio e para o guardar durante mais um milénio.
De seguida estendeu as mãos e entregou o Grande Búzio a Amura. Ela sentiu a Luz que se soltava daquela concha mágica e guardou-o cuidadosamente.
Despediram-se do Rei e repararam que já era noite quando saíram da gruta.
- Podem descansar esta noite no Campo de Algas que se estende sem fim à vista, do vosso lado direito. Durmam descansados. De madrugada, nós iremos acordá-los, para que façam a vossa viagem de regresso. Diremos qual a melhor direcção a seguir, para que cheguem a tempo de colocar o Búzio no cimo da coluna – disseram os Guardiões.
E assim foi. Mal a madrugada do terceiro dia despontou, os Guardiões acordaram Amura, Rana e os Príncipes. Indicaram qual a rota a seguir, despediram-se deles e viram-nos partir, permanecendo junto à entrada da gruta.
A viagem de regresso decorreu sem sobressaltos. Tiveram que nadar com todas as suas forças. Não pararam durante todo o terceiro dia e, quando o sol já desaparecera no horizonte, chegaram finalmente a casa.
Foram recebidos alegremente pelo Rei e por todos os habitantes. O Reino estava mais belo que nunca. O Povo do Reino do Fundo do Mar tinha feito um trabalho extraordinário de preparação para os festejos.
No dia seguinte, o Rei colocou o Búzio no cimo da coluna da entrada do Reino, abriu a Caixa, da qual se soltou novamente aquela música mágica que a todos envolveu.
Ao fim de 7 dias realizou-se uma grandiosa festa. Todas as Sereias e todos os Príncipes estavam felizes. O mar embalava suavemente este mundo invisível.
E, todos os marinheiros de todos os barcos que por ali passaram nas suas travessias pelos oceanos, juraram a pés juntos, que nunca tinham avistado sereias mais belas, e mar mais sereno do que naquele dia.
A partir desse dia Amura soube que o Oceano faz parte dela e que nunca iria deixar de o amar.
Elsa Santos
O mar abriga numerosos Reinos Encantados, invisíveis aos olhos humanos.
Mas, se abrirmos o coração....eles aparecem diante de nós, Grandiosos, Mágicos, para nós navegarmos nas suas águas sagradas…